O que algumas igrejas pensam sobre a homossexualidade

No dia 28 de junho, o jornalista João Batista Junior, publicou em Veja São Paulo, com a colaboração de Daniel Bergamasco e Nathalia Zaccaro, uma matéria intitulada "Nos bastidores da cura gay". A reportagem da revista percorreu dez igrejas evangélicas da capital para saber o que os pastores pregam sobre a homossexualidade. São elas: Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, Mundial do Poder de Deus, Deus é Amor, Sal da Terra, Comunidade Cristã Paz e Vida, Cristã Pentecostal Independente Maravilhas de Jesus, Apostólica Plenitude do Trono de Deus, Casa da Bênção e Comunidade Cidade de Refúgio.

(a matéria completa pode ser lida clicando aqui)

O jornalista, sem se identificar como tal, bateu às portas de cada uma dizendo que era um homossexual disposto a "tentar uma nova vida".

A "cura gay" nos templos da fé (Foto: Negreiros/Veja São Paulo)

Conselhos dos líderes das igrejas

"Irmão, é preciso arrumar uma mulher quanto antes para casar e ter filhos (...) Ela não precisa saber que o senhor tinha essa tendência. Vai ajudar na sua libertação".

Então tá, vamos ser egoístas e ignorar o alheio! Em novembro do ano passado, uma leitora do blog escreveu um pedido de ajuda em tom de desespero. Transcrevo a seguir.

Boa tarde! Sou crente da Congregação(1) desde que nasci. Conheci um rapaz na igreja, na época, auxiliar de jovens(2), nos casamos, após o casamento, ele começou a me revelar sua vida sexual. Ele, na sua infância, teve algumas relações sexuais com outras crianças e adolescentes, sua mãe ia trabalhar e ele ficava apenas com suas irmãs mais velhas. Em nossos momentos íntimos ele sempre deseja homem, para piorar, ele agora disse que tem um colega que trabalha com ele que possui o órgão sexual "enorme e que dá vontade de...", acreditem, essa foi a última "confissão que ele me fez" explicitamente, além de acessar alguns sites de gays, todavia, estou sofrendo, não mais por tudo isso, mas pelo fato dele ser um psicopata, um desonesto, ele fala mal dos homossexuais, ele chama hino, ele ora, é o maior crentão, se eu abrir o bico, calúnia e difamação é o de menos, eu vou sair como uma "o inimigo que quer destruir o irmãozinho". Perdi qualquer atração sexual por ele, estou totalmente fria, na semana passada ele me disse "você estragou minha vida, por não gostar de sexo, porque você não assume que não gosta?", aí eu "rasguei o verbo" disse para ele decidir quanto sua preferência sexual, disse tudo que estava me fazendo mal... kkkk acreditem... ele simplesmente virou para a parede e dormiu, no outro dia, agiu como se nada tivesse acontecido... só vejo o divórcio neste caso, não suporto mais essa situação... me ajudem por favor. Obrigada!

Veja que o tal rapaz, de alguma forma, seguiu as palavras do pastor. A felicidade da parceira pouco importou e por fim a moça ainda foi "acusada" de não gostar de sexo. Até acho que ela gosta, mas certamente não com um rapaz que não a deseja e que deixa "claro" (a ela só, é claro!) suas verdadeiras atrações. Tudo bem que ele poderia não ter "dado a entender" algo sobre sua sexualidade e ter tocado adiante a relação, inclusive tendo filhos. Ainda assim, provavelmente não estariam realizados. Alguns ainda dirão que ele não procurou a "libertação". Será que não? Será que não tentou isto ao tentar um casamento heterossexual?

"Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca", diz o pastor, citando Mateus, 26:41.

 

Ora! Imagine um rapaz solteiro. Se este sente-se atraído por mulheres, não é tentação, mas sim sua condição natural. Deve então, procurar o casamento. Por que quando uma pessoa sente-se atraída por alguém do mesmo sexo, neste caso não é uma condição natural, mas sim uma tentação? Seria tentação, a meu ver, se fosse uma questão de escolha. Por exemplo, uma pessoa que vê um pacote de dinheiro cair do bolso de outra pessoa. Ela pode ficar tentada a não avisar quem perdeu. Existe uma escolha e os princípios de cada um dirão se avisa ou não o descuidado. Poderá alguém dizer que cleptomaníacos jamais avisariam. Obviamente, neste caso, o sujeito não tem a possibilidade de escolha, devido ao seu distúrbio psicopatológico. Portanto não se trata de uma tentação. Agora imaginem um rapaz casado. Se ele apresenta interesse por outra mulher que não a sua esposa, é de se esperar que, antes de uma possível traição, haja o divórcio. A tentação neste caso se relaciona ao fato de ser ou não ser honesto com as pessoas envolvidas e não propriamente ao controle de seus sentimentos.
 

O pastor ainda classifica um homossexual na mesma categoria de um ladrão, de um assassino, de um viciado em drogas e de um adúltero e finaliza com a seguinte pérola:

"Homossexuais são como as prostitutas: sofreram alguma macumba e têm influências de forças malignas".

Outra pastora diz:

"Não é natural ser assim: 100% dos homossexuais sofreram feitiço".

A existência dos gays agora está justificada! Para cada pessoa gay do mundo, existe um macumbeiro ou feiticeiro de plantão, que anteriormente fez algum "trabalho" a ela, mesmo nos países onde não há esta cultura e prática da macumba! Vejam vocês.

A reportagem frisa que em nenhum templo visitado, usou-se o termo "cura gay". Mas nem precisa... é o que a todo momento em suas práticas tentam fazer. Vejam o que outro pastor diz:

"Com muita oração, renegando os amigos homossexuais e tirando a influência de qualquer magia negra, é possível um gay se casar e ter filhos. Já vi muitos pastores convertidos".

Estranhíssimo este conselho... Não me parece em nada com que Cristo nos ensinou sobre o amor.

A reportagem ainda traz o testemunho do presbítero Eduardo Rocha, que fora outrora um transformista conhecido pelo nome de guerra Grevâniah Rhiuchélley. Ele começou a se vestir de mulher aos 16 anos, mas conta que sentia atração por meninos desde os 12. Cocaína e maconha entraram rápido em sua rotina, diz a reportagem. "Eu debochava da religião, não tinha respeito por Jesus", afirma Rocha, até que segundo ele, ouviu uma voz: "Ela me dizia que o Senhor ia mudar minha vida". Desde então passou a ler a bíblia e a frequentar os cultos. "O processo não foi traumático ou agressivo, mas muito difícil". Hoje, segundo a reportagem, Rocha está casado com a musicista Genoveva Geni.

Não é difícil perceber que Rocha necessitava mesmo de uma ajuda. Até com drogas já estava metido! O curioso é como ele associou os males de sua vida com a homossexualidade. E claro, uma vez liberto desses males, buscou a "libertação" da homossexualidade também. Não percebeu a distinção das coisas...

A reportagem destaca ainda a contracorrente, citando a Igreja Comunidade Cidade de Refúgio, na figura de Lanna Holder, lésbica e fundadora da igreja juntamente com sua parceira Rosania Rocha. Destaca que não são apenas igrejas fundadas por homossexuais que pregam a tolerância: "Desvirar gay pra quê?", perguntou ao repórter a obreira Rose Silva, do Centro de Meditação Cristã, no Brás. "Faça uma oração da libertação para se aceitar, não para se reprimir. Deus ama a todos em sua plenitude (...) Em primeiro lugar, penso se a pessoa interfere negativamente na vida dos outros. Se não, quero mais é que ela seja feliz" completa.

Os pastores que pregam contra a prática gay se valem invariavelmente de trechos da Bíblia. Trata-se de um terreno minado, diz a reportagem. As discussões sobre interpretação e até mesmo as traduções dos textos fazem com que o significado de tais passagens sejam questionados (temas estes já abordados neste blog).

Finalizo com a frase do teólogo Paulo Sérgio Lopes Gonçalves, da PUC de Campinas:

"Os fundamentalistas tomam ao pé da letra alguns trechos, esquecendo de outros nos quais Jesus prega o acolhimento e o amor aos excluídos".

Notas:

• (1) Congregação - a igreja Congregação Cristã no Brasil (CCB).

• (2) Auxiliar de Jovens e Menores é o cargo ocupado por jovens batizados na CCB, com funções específicas em Reuniões dos Jovens e Menores da igreja. De modo geral é um líder entre a mocidade da igreja. Quando se casam, devem deixar o cargo.