quarta-feira, 20 de março de 2013

As armadilhas do exclusivismo religioso

Dias atrás, organizando minha biblioteca pessoal, encontrei o livro Jesus, o maior psicólogo que já existiu de Mark W. Baker(1). Como fazia algum tempo que o li decidi ler novamente. Sempre considerei que a relação estabelecida entre as pessoas e com Deus era o mais importante, até mais importante do que muitas regras e costumes. Sempre me intrigou também o exclusivismo que observo na igreja que frequento, a Congregação Cristã no Brasil, e como algumas pessoas dizem ser extremamente espirituais a ponto de ter que se isolar e não participar das vidas de pessoas que não pertencem à igreja, incluindo até os próprios parentes. Por isso, quando li o livro pela primeira vez, fiquei feliz pois percebi que minha impressão não estava equivocada, pois com os comentários do autor e a leitura cuidadosa dos evangelhos, pude aprender muito mais sobre a missão de Jesus na terra.

A partir daqui passo a destacar alguns pontos marcantes nessa leitura.


Quem acredita que as pessoas são essencialmente más, muito provavelmente tem alguma vergonha ou problema em ser um humano e cria então um ser idealizado para fingir que é diferente daquilo que é desprezível aos seus olhos. Essa pessoa então, precisa encontrar um modo de se livrar dessa ruindade e tornar-se um ser puramente espiritual que vive acima de tudo isso. Os fariseus(2) acreditavam que eles não eram como as outras pessoas e se achavam mais espirituais do que humanos - não foram à toa usados como exemplos por Jesus ao mostrar o que não se deve fazer.

Acreditar que a humanidade é má faz com que quem acredita se afaste dela o máximo possível e se associe apenas àqueles que defendem idênticas convicções religiosas. Tais pessoas desprezam aqueles que deixam de alcançar o seu nível de espiritualidade.

Nós, seres humanos, precisamos de outras pessoas para poder saber quem somos e para que nos retratem emocionalmente. Jesus reconhecia o valor individual inerente de cada pessoa, mas as pessoas eram consideradas boas como consequências do seu relacionamento com Deus e com os outros. Ele nunca ensinou que as pessoas poderiam ser boas sozinhas, mas através da conexão e do relacionamento estabelecido com o próximo e com Deus.

Um exemplo clássico sobre se Jesus encara as pessoas como boas ou más e o que leva a tal, é a parábola do samaritano(3).

E, respondendo Jesus, disse: Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele, e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão; E, aproximando-se, atou-lhes as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele. E, partindo ao outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu te pagarei quando voltar.
[Lucas 10:30-35]


Observe que Jesus sempre ensinava através de parábolas pois compreendia que cada pessoa só pode compreender as coisas a partir de sua perspectiva pessoal e também sabia que as pessoas jamais poderiam entender completamente a vida se usassem apenas o intelecto. Ele sabia que a forma mais elevada de conhecimento decorre dos relacionamentos em que existe confiança mútua e não de grandes quantidades de informação apenas.

As pessoas não são essencialmente boas nem más. Um aspecto importante da natureza humana é a necessidade de ter um relacionamento amoroso com Deus e com os outros. Sendo assim, uma pessoa se define pelo relacionamento que estabelece com outras pessoas. O samaritano era bom porque não desprezou o homem agredido e parou para estabelecer um relacionamento com ele.

A parábola do samaritano fala de pessoas boas e más e Jesus explica a diferença entre os dois tipos em função do relacionamento que estabeleceram com o homem ferido. Ele não fala em pessoas boas ou más em suas essências.

Jesus não estava interessado em definir a natureza humana como má, mas sim em nos oferecer uma alternativa de como sermos bons. Observe que Jesus ligava-se constantemente a pessoas que podiam ser consideradas más pelos outros, mas ele não as encarava dessa maneira. Ele via todas as pessoas como capazes de ser boas e nunca as discriminava. O relacionamento com Ele, com Deus e com outras pessoas é o que importava.

A religião não deve nos tirar da nossa condição humana, mas pelo contrário deve nos fazer viver plenamente a condição humana. Assim, não podemos fugir do nosso eu, mas encontrá-lo.

Esse pensamento exclusivista que nos afasta da condição humana é justamente o contrário da mensagem de Jesus.

Ainda nos advertiu dos perigos ao julgar os outros: Não julgueis e não sereis julgados - Lucas 6:37. Ele sabia que nossos julgamentos se baseiam em informações distorcidas por nosso modo de pensar e que não correspondem necessariamente à realidade. Precisamos acreditar que sabemos a verdade completa a respeito das coisas e das pessoas para nos sentirmos seguros, achando que dominamos completamente a situação e que nada novo virá nos perturbar. Esse temor do desconhecido é a base da intolerância. Ele nos leva a julgar e rotular pessoas e coisas. Quando sentimos esse tipo de medo, condenamos o que não compreendemos.

Jesus também não veio ao mundo para condená-lo: Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele - João 3:17. As pessoas não devem se sentir mal a respeito de si mesmas, mas sim amadas por Deus. Jesus sabia que era necessário às vezes nos sentirmos culpados para podermos reparar nossas faltas e aprender com os erros. Porém tentava nos afastar da autocondenação, pois esta resulta na crença de que sermos maus é um fato absoluto que não pode ser mudado. Jesus queria que as pessoas se livrassem da condenação e não que ficassem presas a elas.

Notas:
  • (1)  O livro trata de Psicologia e Religião, examinando algumas das principais parábolas da Bíblia à luz do pensamento psicológico contemporâneo. O autor faz uma abordagem entre a ciência da psicologia e religião através dos ensinamentos de Jesus.
  • (2) Os fariseus eram um grupo de judeus que obedecia a leis religiosas rígidas. Eles viveram na Judeia e Palestina no tempo de Jesus. Não mantinham relações com os não crentes aos seus hábitos e com outros judeus estranhos ao seu próprio grupo. Consideravam-se mais justos e santos do que os outros em geral.
  • (3) Na época em que Jesus contou a parábola do samaritano havia um forte preconceito racial entre judeus e samaritanos. Naquele tempo, os samaritanos eram considerados pessoas más, e os fariseus, os sacerdotes e os religiosos judeus eram tidos como bons. O fato de o próprio Jesus ser judeu dava ainda mais força à mensagem da parábola. Hoje, tem-se o contrário: As palavras "bom" e "samaritano" referem-se às qualidades positivas e "fariseu" tem uma conotação negativa.

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